Quanto às demais irresignações eventualmente contidas no recurso, aplicável a Súmula 292 do STF.
Ante o exposto, admito o recurso extraordinário.
Intimem-se.
São Paulo, 10 de setembro de 2019.
NERY JUNIOR
Vice-Presidente
00008 APELAÇÃO CÍVEL Nº 0010230-51.2005.4.03.6000/MS
2005.60.00.010230-9/MS
APELANTE
ADVOGADO
APELANTE
ADVOGADO
APELADO(A)
ADVOGADO
PARTE RÉ
No. ORIG.
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Uniao Federal
SP000019 LUIZ CARLOS DE FREITAS
Fundacao Nacional do Indio FUNAI
MS005193B JOCELYN SALOMAO
JOAO PROENCA DE QUEIROZ
MS005104 RODRIGO MARQUES MOREIRA e outro(a)
ZACARIAS RODRIGUES e outro(a)
RAMAO VIEIRA DE SOUZA
00102305120054036000 1 Vr CAMPO GRANDE/MS
DECISÃO
Cuida-se de recurso extraordinário interposto pela União, contra acórdão deste Tribunal Regional Federal.
Defende a parte insurgente que o acórdão viola os dispositivos constitucionais que aponta.
Decido.
Presentes os requisitos genéricos de admissibilidade.
O acórdão recorrido, atento às peculiaridades dos autos, assim decidiu:
DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMUNIDADE INDÍGENA. PRELIMINAR DE IMPOSSIBILIDADE
JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADA. ARTIGO 231 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. OCUPAÇÃO SILVÍCOLA À LUZ DAS DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS. NÃO DEMONSTRAÇÃO.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SEGUROS PARA O RECONHECIMENTO DA POSSE INDÍGENA.
1. Trata-se de apelações interpostas pela União Federal, Fundação Nacional do Índio - FUNAI e pela Comunidade Indígena Terena da TI Cachoeirinha contra a sentença de fls. 1131/1142 que julgou procedente
o pedido de João Proença de Queiroz, em ação que objetivava ser reintegrado na posse de parte do seu imóvel - Fazenda Santa Vitória, objeto da matrícula n.º 17 do Cartório de Registro de Imóveis de
Miranda/MS (fls. 16/31), que fora invadida no dia 28/11/2005, pela comunidade indígena acima mencionada.
2. O artigo 19, §2 º, da Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio) veda a utilização do interdito possessório como forma de impugnar demarcação administrativa das terras originariamente ocupadas pelos indígenas,
facultado aos interessados recorrerem à ação petitória ou à demarcatória. Porém, no caso dos autos, não haveria como acolher a alegação de impossibilidade jurídica do pedido de restituição possessória, uma vez
que o procedimento demarcatório não está concluído.
3. O C. STF definiu, no precedente relativo à chamada "Reserva Raposa Serra do Sol" (STF, Petição n. 3.388/RR, Rel. Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, j. 19/03/2009, DJe 30/06/2010), o marco jurídico
constitucional regulador das questões relacionadas a posse de terras tradicionais indígenas, do qual cabe destacar a parte relativa aos parâmetros a serem considerados para a demarcação das terras
tradicionalmente ocupadas pelos indígenas.
4. Para se reconhecer tratar-se de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, nos termos da Constituição Federal, restou consignado os seguintes requisitos: (I). Ocupação das terras pelos silvícolas em data
anterior a 05/10/1988, em que promulgada a atual Constituição - marco temporal insubstituível; (II). Também deve estar presente uma forma "qualificadamente tradicional de perdurabilidade da ocupação
indígena, no sentido entre anímico e psíquico de que viver em determinadas terras é tanto pertencer a elas quanto elas pertencerem a eles, os índios." (voto Min. Ayres Britto, Pet. 3.388) e; (III) Admite-se, ainda, a
retração cronológica à "tradicionalidade da posse nativa", excepcionalmente, para data posterior à da promulgação da atual Constituição, nos termos do precedente da Suprema Corte, quando "a reocupação
apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios".
5. No caso, embora exista consenso nos autos de que, ao menos, parte do imóvel em litígio, se encontre dentro da "área tradicionalmente ocupada por indígenas", conforme laudo antropológico, integrante do
procedimento administrativo n.º 08620.0981/82-65, que cuida da identificação e delimitação da terra indígena Cachoeirinha (fls. 785/875), bem assim pela expedição da Portaria n.º 791, de 19/04/2007, que
declarou como sendo de posse permanente do grupo indígena Terena, a Terra Indígena Cachoeirinha, publicada no DOU em 20/04/2007 (fls. 913/916), não há qualquer comprovação de que exista procedimento
demarcatório, seja para ampliar a reserva indígena, seja para declarar o espaço como tradicionalmente ocupado por indígenas.
6. Embora reste ao Poder Judiciário, a função limitada à resolução das consequências jurídicas decorrentes dessas relações, a solução das causas dos fatos descritos se dará somente por meio de ações políticas, de
competência do Poder Executivo Federal. Esse fato é de conhecimento dos próprios indígenas, conforme se pode constatar através do ofício s/n, datado de janeiro de 2006 e assinado por 409 membros da
Comunidade Terena da Terra Indígena "Cachoeirinha" (fls. 484/498), endereçado ao Senhor Procurador da FUNAI, onde os silvícolas alegam que procederam à invasão, na expectativa de que o Governo
Federal realizasse a demarcação definitiva da área.
7. Observo que existe contradição no referido documento apresentado, uma vez que textualmente informam a retomada na data de 28/11/2005 e, ao depois, se referem ao fato de ali estarem desde 1999, sendo que
essa anterior ocupação não restou comprovada nos autos. De toda forma, a prova produzida pela própria comunidade indígena revela que, em 05 de outubro de 1988 (marco temporal a ser considerado para o
deslinde da causa) e, em período considerável após essa data, não havia ocupação indígena e a posse dos não índios era exercida pacificamente. Isso se comprova também do exame dos registros públicos aqui
apresentados, relativos à década de 70 (fls. 16/155), descritos pormenorizadamente às fls. 501/502, onde se observa restar comprovado que o autor detém a propriedade e posse mansa e pacífica da área em
questão, o que enseja o direito de ser reintegrado na posse da mesma. Esse fato também é corroborado pelo histórico das aquisições efetuadas pelo autor, já que a área em litígio é composta por 16 propriedades
rurais (conforme matrículas em anexo) que o mesmo veio adquirindo no decorrer do tempo (28/01/1976 a 30/08/1996). Logicamente, se fosse o caso de haver resistência por parte dos indígenas, esse fato
desestimularia o autor na aquisição de tais bens.
8. A decisão tomada na sentença está em conformidade ao Direito, uma vez que extraída de uma análise legítima e voltada para a segurança jurídica e o bem-estar coletivo, inclusive dos próprios indígenas, que,
afinal, vivem em sociedade, com índios e com não índios, prevenindo-se, assim, o acirramento de ânimos, entre as pessoas direta e indiretamente envolvidas no conflito, com o surgimento de ódios étnicos e a
institucionalização da violência.
9. E isso, inclusive, porque os índios, mesmo tendo o direito de verem respeitados os seus usos e costumes (artigo 231 da CF), por viverem em sociedade e sob o pálio de ordenamento jurídico único e comum a todos
os brasileiros e estrangeiros que vivem no País, também devem respeitar os direitos alheios, dentre os quais, o direito fundamental que é o direito de propriedade (artigo 5º, XXII da CF), do qual deriva o direito de
posse. A reintegração da posse era garantida nos artigos 926 e 927 do antigo CPC.
10. A regular desocupação deva aguardar o trânsito em julgado da presente decisão, uma vez que a posse permanente dos índios da Comunidade Indígena Cachoeirinha sobre parte da Fazenda Vitória foi
declarada por Portaria n.º 791, expedida em 19/04/2007, trazendo enorme expectativa aos aludidos silvícolas.
11. Entendo que a FUNAI tem poder de polícia em defesa e proteção dos povos indígenas, nos termos do artigo 2º, IX, do seu estatuto o que lhe confere o poder-dever de diligenciar, em termos de prestar aos índios
os esclarecimentos pertinentes e lhes oferecer os meios necessários para que desocupem a área, em cumprimento à decisão judicial, sendo que eventual reforço policial, em princípio, só se legitimaria em caso de se
mostrarem esgotadas, sem sucesso, essas providências, o que deverá ser demonstrado ao MM. Juízo a quo, uma vez que isso, além de implicar em maior segurança jurídica - o que interessa a todos, inclusive aos
índios -, previne consequências mais graves.
12. Assim, a FUNAI também não pode valer-se do argumento de que não teria responsabilidade no cumprimento da decisão recorrida, por entender que os indígenas são passíveis de responsabilização direta por
seus atos.
13. Ademais, vale lembrar que "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios" são bens da União (art. 20, XI, CF/88), conforme definido formalmente desde a Carta de 1967.
14. E, enquanto não houver uma demarcação definitiva, sem laudo topográfico a estabelecer sem dúvida que a área se encontra em terras da Reserva, não há que se amparar a turbação, pelos índios, da
propriedade do demandante, devidamente registrada.
15. Portanto, no caso concerto, merece ser mantida a sentença para assegurar a manutenção do status quo ante.
16. Apelações da União Federal, Fundação Nacional do Índio - FUNAI e pela Comunidade Indígena Terena da TI Cachoeirinha, a qual se nega provimento, mantendo-se a sentença tal qual como proferida,
consignando que a regular desocupação da área deva aguardar o trânsito em julgado da presente decisão.
Posteriormente, os acórdãos dos embargos de declaração assim dispuseram:
APELAÇÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
Os embargos de declaração, cabíveis contra qualquer decisão judicial, possuem a função específica de esclarecer ou integrar o julgado, sanando obscuridades, contradições ou omissões, bem como de corrigir erros
materiais.
Houve omissão em relação ao ponto da condenação da União na verba honorária e em relação ao valor fixado.
A condenação da União ao pagamento dos honorários advocatícios decorre, unicamente, do fato de ter sido sucumbente na ação de reintegração de posse, havendo que ser mantida a condenação na verba
honorária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), pro rata, na forma do art. 20, §4º, do CPC/73, quantia que não representa valor exorbitante, levando em conta o tempo dispendido e o trabalho dos advogados e
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 10/12/2019 55/2389